sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

De trás para frente: nunca me perguntei... da amiga Graça M.

quinta-feira, 3 de junho de 2010
 Nunca me perguntei, até meus... não o sei bem...
por quase toda a minha adolescência aquilo que, e isso eu conheço bem, todo adolescente se pergunta:
- O que eu quero da minha vida no futuro?
Ou, o que é mais comum:
- O que eu vou ser quando crescer?
Nunca me perguntei nada parecido porque parecia que eu sempre soube o que eu queria.
Do alto dos meus 10 anos, dizia:- Serei uma arqueóloga.
Do alto dos meus 13 anos, dizia:- Serei uma escritora.
Do alto dos meus 16 anos, dizia:- Serei uma jornalista.
A vida seguiu seu rumo, e eu,o meu.
Aos 20 anos, como não me tornara ainda, nenhuma das coisas que pretendera, fiz o que muita, mas muita gente mesmo já fez ao menos uma vez na vida: procurei uma cartomante.
Pois é. Lá fui eu ( não me recordo na companhia de quem, mas é vero que a esses lugares nunca se vai sozinha), certa tarde, quase noite, até uma porta escondida nos fundos de uma loja que sequer existe mais.
Não me lembro do rosto da cartomante assim como não me lembro de quem me acompanhava, mas ainda
escuto as palavras dela sobre o meu futuro.
" - Vejo papéis, muitos papéis. Você está rodeada de papéis."
Saí de lá feliz. Primeiro porque eu não lhe dissera absolutamente nada sobre meu desejo de ser jornalista, e
segundo,porque já me imaginava em uma redação de jornal ou revista.
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Alguns anos depois, completamente esquecida desse acontecimento, apanhei-me entre um monte de papéis,
papéis por todos os lados. Estava descabelada, cansada, com os olhos ardendo de ler e olhava desolada para a montanha de papéis espalhados pela minha cama, caídos no chão, quase chorando de vontade de deitar e dormir daquele jeito mesmo, sobre toda aquela papelada.
Foi então que, num átimo, eu me revi à frente daquela mesa atrás da porta escondida nos fundos de uma loja que sequer existe mais e escutei as palavras ditas há um número de anos que não contava mais.
Papéis por todos os lados.
Parei e olhei para todos eles, ainda desolada,pensando que só poderia me deitar depois que os tivesse organizado minimamente.
Eram as provas e as redações dos meus alunos. E os tinha tantos naquela época . . .  .
Provas de Literatura, provas de verificação de leitura de livros, redações que eles aguardavam ansiosos por saberem se seriam lidas como as melhores ou se, simplesmente, livrariam alguns deles de um malfadado puxão de orelhas.
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Sorri. Lembro-me de que sorri naquele momento, diante de tão flagrante revelação : a cartomante acertara.
Estava eu ali rodeada de papéis. Vivia rodeada de papéis: provas, diários, livros... .
Sorri. Lembro-me de que sorri naquele momento.
E de que juntei, serenamente, cada papel,organizando por turma , por nome e por nota.
Guardei-os com cuidado e, só então, percebi que já estava amanhecendo.
Bocejei e estiquei braços e pernas . Já era quase hora de tomar um banho. Meus dias começavam muito cedo naqueles tempos.
Mas não me sentia mais cansada e o desejo de dormir passara.
Os verdadeiros donos daqueles papéis me esperavam, ansiosos, agitados, implacáveis em seu imediatismo.
E, ademais, aqueles papéis não eram meus, só estavam comigo. Era meu dever devolvê-los a seus donos com a promessa cumprida de tê-los lido, um a um , sabendo que cada um era único.
Como os donos deles.
E eu o sabia.
Por isso, não estava mais cansada nem desolada.
Naqueles tempos, nunca me perguntei o que eu queria da minha vida, do meu futuro.
Eu tinha, então, o que mais queria naquele  presente que já passou.